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sexta-feira, 28 de março de 2003

Palhaço Empadinha

O encontro foi casual. Encontram-se na rua. Ele pediu desculpas por não ter ido ao enterro do marido dela. Eram amigos, mas na ocasião ele estava viajando a trabalho. "Uma pena, uma pena .. ele era tão moço", repetia.

Conversaram amenidades. Ele queria se desculpar, se redimir pelo sumiço numa hora tão dura para ela. Convidou-a para almoçar, quem sabe um jantar. "Não se incomode. Qualquer dia desses passe lá em casa para tomar um café. Sei o quanto você gostava dele", disse a moça querendo ser gentil. Foi um convite pró-forma. Aquela coisa tipicamente carioca de convidar sabendo que a pessoa nunca vai aparecer na sua casa.

Mas ele apareceu. Dias depois, lá estava o bruto diante da porta. Levou bombons. Ao entrar, mais uma vez desculpou-se por não ter podido ir ao enterro do amigo. Já acomodado no sofá, perguntou como ela estava, se precisava de alguma coisa. Ela falou da solidão, da dor da perda e disse que entendia os motivos dele. Afinal, a morte foi repentina, a doença muito rápida.

Conversaram por uma hora.

- Seu filho vai demorar? - ele perguntou depois de alguns segundos daquele silêncio constrangedor. De fato, ela não sabia. Respondeu que o menino, na verdade já um homem, não parava em casa.

- Esses cachinhos do seu cabelo são naturais?, nova pergunta inusitada, dessa vez acompanhada por uma aproximação física e uma passada de mão no cabelo dela.

Ora bolas. Os cachinhos sempre estiveram lá. Ele já estava careca de saber que o cabelo dela era daquele jeito. Afinal, o malandro era amigo do marido dela há anos! "Que diabos de pergunta é essa?", ela pensou já procurando um novo lugar no sofá, bem longe do bruto.

- Já que seu filho vai demorar, bem que a gente podia dar uma deitadinha ... - sugeriu o palhaço.

Proposta inusitada, certo? Mais inusitado ainda foi o que ela entendeu. Surdez, velhice ou nervosismo, ela não sabe. Apenas entendeu que o homem queria comer uma empadinha.

- Aaahhh ... se você tivesse me dito antes, eu tinha me preparado melhor - disse em tom de culpa, desculpa, já pensando onde poderia ter encomendado as empadinhas.

- Não precisa ser tão formal. É só uma deitadinha ... - respondeu o bruto, ainda sem perceber a confusão.

- Poxa .. é que eu não sabia que horas você ia passar, por isso nem pensei em alguma coisa assim mais pro salgado ... eu podia ter passado na Casa da Empada, encomendado algumas ... - ela ainda justificou.

- Casa da empada?!?! - perguntou ele assustado.

- É. Você não quer uma empadinha? - ela rebateu agora sem entender a reação dele.

- Não, não - disse ele rindo - Quero dar uma dei-ta-di-nha com você, coisa rápida.

Quando ela se deu conta, estava enchendo o homem de bolsadas. "Ponha-se daqui pra fora seu tarado filho da puta!", gritava ela já abrindo a porta. Tentando se defender, ele ainda levou a caixa de bombom na cabeça.

Dias depois, ela recebe em casa um enorme buquê de rosas do bruto. Com uma tesoura, cortou o cartão em picadinhos e devolveu as rosas, também picadinhas.

PS: Tem novidade no Dicionário Palhaço!

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