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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Pois, é amigos deste blog, dileta audiência deste circo, sei que andei sumida. É que eu tava de férias, em merecido recesso, viajando por aí, em uma espécie de caranavana circense, colecionando espetáculos em outros picadeiros. Para recompensar meu respeitável público, retorno com um relato impagável, sensacional, enviado por uma amiga empresária circense e atual correspondente do nosso HTP.

Deleitem-se:


O Palhaço Carreirista

Estava recém-separada quando resolvi dar trela pra um palhaço que me rondava há tempos. Nos conhecíamos há sete - s-e-t-e! - anos e, diante de convivência tão longeva, imaginei que ele não haveria de chafurdar no picadeiro.

Eu só queria um pouco de entretenimento. Não planejava me envolver com ninguém. Além disso, a criatura já vinha com alguns defeitos de fábrica, tais como, aos 30 anos de marmanjice, ainda morar com os pais. (Mas quem não quer casa, comida e roupa lavada com Omo?, amenizava a fada polyannesca dentro de mim). Também mandava torpedos com pérolas gramaticais como "certesa", "fazer compania" e "tú". (Ok, ok, a língua portuguesa é uma arte para poucos). Como se não bastasse, ainda confundia o clitóris com os pequenos lábios (ah, a insondável cartografia feminina...). Last but not least, nosso herói tinha namorada. E eu com isso?

Eis que fomos pegos de surpresa pelo famoso clique, auê, química, balacobaco – chame do que quiser -, que acomete mesmo as melhores famílias. Eu até que relutei em admitir, porém, ao cabo de uma semana de fudelança, o caboclo já soltou o primeiro "eu te amo". Em seguida, apareceu anunciando que havia terminado o namoro. Diante da notícia eu fui cautelosa: sugeri que ele analisasse melhor, que a menina parecia legal e coisa e tal. Mas o palhaço reforçou que estava apaixonado por mim, e ainda listou mil e um motivos para não querer mais ficar com a gord..., digo, com a namorada.

O prenúncio do circo aconteceu quando, após um pequeno desentendimento nosso, ele sumiu por uns três dias. Reapareceu com o olhar lambido, a cara bege, atropelando as palavras. Eu dei o comando "desembucha", e nada. Apelei para a velha tática da trepada destrava-línguas, até que, como num desengasgo, ele cuspiu a frase memorável, de uma vez só:

- Tenho medo que isso atrapalhe nossas carreiras.

Heim? Carreira de quê, cara-pálida, de pó? E desde quando alguém está preocupado com quem você ou eu estamos comendo?

A esta altura, é importante esclarecer que o palhaço, retratista de um diário carioca em vias de extinção, complementa o salário com parrudos frilas em uma famosa agência de fotografias. Cuja dona é coincidentemente amiga da gord..., digo, da ex-namorada (uma rica falida com contatos estratégicos no meio).

- Estão me pressionando - disse, enigmático.

Mandei parar de frescura e pulei na cama de novo, que não tenho mais idade pra essas palhaçadas. Então, após o breve número circense, voltamos à programação normal. Ele insistia para que morássemos juntos, falava em filhinhos loiros e em projetos em comum. Eu relutava bravamente.

Estávamos há cerca de um mês nesse idílio quando ele me levou de surpresa num aniversário de família, onde conheci tio, madrinha, cachorro e periquito. Na volta pra casa veio com um papo sério de fidelidade, namoro, futuro. A essa altura eu, que já vinha passando por um natural processo de meg- ryanização, derreti até os beiços e baixei a guarda, aceitando enfim a ideia. Estávamos namorando.

No dia seguinte ele desapareceu. Bem, não foi simples assim. Acontece que circulou pela imprensa carioca a notícia de que o jornal onde ele trabalha ia mesmo fechar as portas em breve, na mesma hora em que uma pessoa da minha família sofria um derrame. Eu corri para a família, e ele para a gord..., digo, para a ex ex-rica, repetindo o número da desmaterialização palhaçal. Não me mandou um e-mail, um torpedo, um telegrama, um pano de bunda cagado, nada: o palhaço, que há 12 horas se declarava perdidamente apaixonado, simplesmente evaporou no ar, sem me dar nenhuma satisfação. Foi visto três dias depois, em um casamento, com a ex-ex a tiracolo.

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